Rituais de Morte - debate com Paulo Marcondes e Patrícia Barreto

Dando continuidade à pesquisa A Performance do Humano: da pedra ao caos, o Totem convida para o debate sobre os rituais de morte com o sociólogo Paulo Marcondes e a arteterapeuta Patrícia Barreto.
Nesta terça-feira no Teatro Arraial - Recife.


Pré-expressividade: Reflexões e Laboratório Interno


Pré-expressividade à luz de Barba

Tomando por base o estudo sobre pré-expressividade provindo da antropologia teatral, o nível pré-expressivo é definido como um nível básico de organização comum a todos os atores/bailarinos independente da técnica experimentada por eles.  
Em seu livro “A Antropologia Teatral”, Barba aponta que a pré-expressividade preocupa-se com a maneira de deixar a energia do ator cenicamente viva, ou seja, de manter no ator/bailarino uma presença que atraia imediatamente a atenção do espectador. Essa energia cenicamente viva no ator/bailarino é o denominado nível pré-expressivo.  
Essa preocupação surge como uma solução para a tendência de uma lógica presente na psicotécnica, cujo poder de expressão do ator ou bailarino, na perspectiva do espectador, limita-se ao significado do que se deseja expressar (sentimentos, ideias, etc.) e não ao que é expressado através do corpo do ator ou bailarino. Afinal, segundo Barba (1995), “a expressão do ator, de fato, deriva – quase apesar dele – de suas ações, do uso de sua presença física. É o fazer, e o como é feito, que determina o que o ator expressa.” (p. 187).    
Ainda sobre essa expressividade na cena, Barba (1995) afirma: “O nível pré-expressivo pensado desta maneira é um nível operativo, não um nível que pode ser separado da expressão, mas uma categoria pragmática, uma prática, cujo objetivo, durante o processo, é fornecer o bios cênico do ator.” (p. 188).  
No entanto, diferentemente do que muitos pensam sobre a pré-expressividade, Barba ainda nos alerta para o fato de que tanto o processo de absorção passiva, sensório-motora de comportamentos e hábitos presentes no cotidiano de uma dada cultura (denominada via da inculturação), como a busca por técnicas corporais que se diferenciam dos hábitos da vida cotidiana, a fim de criar um corpo extra-cotidiano (denominada aculturação), são capazes de ativar o nível pré-expressivo, ou seja, a presença pronta para representar. 
Por tanto, ambos os tipos de laboratórios corporais que realizarmos internamente, ao longo desse mês, são maneiras de ativar nosso nível pré-expressivo. Tanto o laboratório denominado por nós de “laboratório pré-expressivo”, em que tem por objetivo buscar através da exaustão uma energia interna, verdadeira e vital, quanto os laboratórios que trabalham os princípios de Barba, ligado a analise do movimento, movimentos que possam estar associados ao nosso cotidiano, como o movimento de dormir e acordar.  


Nível pré-expressivo através de um corpo extra-cotidiano:
Laboratório interno


Buscando a construção de um corpo extra-cotidiano, “a técnica de aculturação é a distorção da aparência usual (natural) a fim recriá-la sensorialmente de uma maneira fresca e surpreendente.” (BARBA, 1995, p. 190). Para Barba (1995) não se pode distinguir um ator ou um bailarino “aculturado”, pois os dois carregam em si uma grande qualidade de irradiação energética, uma presença que pode transforma-se em dança ou em teatro, um corpo que eu diria que se aproxima mais da performance ritual e do teatro ritual de Artaud. 
Por tanto, os nossos laboratório internos nos quais denominamos laboratórios de pré-expressividade, tinha por finalidade ampliar esse nível pré-expressivo por meio de um corpo aculturado, ou seja, extra-cotidiano.  
O primeiro laboratório de pré-expressividade foi puxado por Taína, dia 16 de Janeiro, e foi o nosso primeiro laboratório interno desde que iniciamos a pesquisa. Iniciamos com um alongamento pessoal. Após o alongamento, começamos a ocupação do corpo no espaço, iniciou-se, assim a nossa dança pessoal.  
A partir deste momento, era um fluxo de energia que não deveria ser quebrado, uma dança que para atingir algo de nosso interior, algo de verdadeiro e expressivo (que chegasse ao ponto de provir de um estímulo interno), deveria ser contínua. Em sequência, passamos a trabalhar com os diversos planos (baixo, médio e alto) e em seguida com a busca de oposições, como o nosso corpo estivesse envolvido por uma bola de borracha e tivéssemos que esticar com várias partes do corpo (trabalhando simultaneamente as oposições) essa bola de borracha. 
Em seguida, Taína orientou para que nossa energia externa crescesse até explodir pelo espaço e chegando a 100%. Após essa energia explodir no espaço a 100%, essa energia a 100% era recolhida por meio de uma pausa no movimento externo, sendo concentrada internamente. A partir deste momento, ficamos variando entre pausas (concentração da energia internamente a 100%) e expansão desse corpo no espaço a 100% de energia externa. Nos momentos de pausas, percebemos como era importante a concentração da energia internamente para que possamos explodir, em seguida, o corpo pelo espaço a 100%. 
Após esse trabalho com energia, passamos a trabalhar na construção de matrizes corporais. Essas matrizes corporais foram criadas a partir do estímulo de nomes que estão de certa forma associados ao ritual: sangue, pedra, água, corpo, lama, fogo, luz, vento, entre outros. Cada um de nós escolhemos alguma das palavras e passamos a explorar livremente essa palavra em nosso corpo, o signo dela em nosso corpo.  
Após encontrarmos os movimentos que remetiam àquela palavra que escolhemos, fomos estimulados a encontrar uma matriz corporal que sintetizasse aquele estado corporal de sangue, pedra, lama, etc., enfim, o estado que exploramos. Então, a intensão de descobrir uma matriz corporal para um estado é que através daquela matriz possamos acessar a qualquer momento aquele estado corporal encontrado. 
Por isso, além de retomarmos a matriz ao longo dessa dança do elemento escolhido, à medida que interagíamos com o outro do grupo (interação entre duplas) construímos novas matrizes corporais. Interagimos com cada um do grupo e foi curioso como a aquele estado do elemento que escolhemos cada vez mais tomava-nos e crescia. À medida que interagíamos com o outro do grupo encontrávamos diferentes sensações desse mesmo estado, emoções e sensações internas viam à tona. Era como a nossa alma finalmente dançasse pelo espaço.  
O interessante foi observar que se relacionando com alguém, em duplas, tornou-se mais fácil acessar o interior, fazendo que nosso corpo dançasse e sentisse algo que vem livremente do espírito, o que estar escondido em nós. À medida que interagíamos um com o outro, essa dança crescia dentro de nós e éramos tomados cada vez mais verdadeira e intensamente pelo que vinha da alma. Sentimos na pele o havíamos estudado em Artaud.
Dia 18 de Janeiro, foi o meu dia de puxar o laboratório de pré-expressividade. Tanto eu como Tainá trabalhamos com princípios semelhantes: o trabalho com essa dança pessoal (dança de energias), explosão pelo espaço dessa energia interna condensada, concentração da energia internamente, trabalho com elementos que estimulem a construção de um estado, o guardar na memória corporal (matrizes corporais) e etc.
Começamos o trabalho com um alongamento pessoal. Posteriormente, relaxamento, desprendendo-se ao chão. Após esse relaxamento, retomamos aos poucos o movimento de cada parte do corpo, iniciando nos dedos dos pés até atingir os fios de cabelo.  Exploramos o espreguiçar e as torções no corpo, então, à medida que se iniciava um movimento, ele não pára mais.
Exploramos os apoios (4 apoios, 3 apoios, 2 apoios e 1 apoio), a fim de encontramos o nosso ponto de equilíbrio/desequilíbrio, ultrapassando, assim, nossos limites.
Após essa dança do equilíbrio precário, passamos a explorar as partes do corpo pelo espaço: cabeça pelo espaço, peito, braços, abdômen, quadril, joelhos, pés. Joelhos e cabeça, pés e braços, o corpo todo. À medida que essa partes dos membros ocupavam livremente o espaço, exploramos os diversos planos (baixo, médio e alto) e a variação desses planos.
      Aos poucos estimulei que essa energia crescesse e tomasse todo o espaço: 50 % de energia externa, 80%, até atingir a 100%. Após chegar-se a 100%, pausava aquela energia externa, abruptamente, e toda a energia era concentrada internamente, no centro do corpo, formando uma panela de pressão nesse centro. Essa energia crescia, crescia, até explodir pelo espaço energia a 100%. Por fim, à medida que essa energia explodia, trocava-se com o outro a energia.
      Após esse trabalho de criação de energia, trabalhamos com diversas formas de estados do corpo:

  • O corpo DRAMÁTICO: um corpo que se expande e que quer preencher todos os lugares da sala, como se ele não coubesse em você;
  • O corpo de SANGUE: fluido e cheio de um calor que percorre todo o corpo;
  • O corpo de OSSOS: articulações, corpo que se desmonta;
  • O corpo de MÚSCULOS: densidade e tensões.
  • O corpo todo ELETRIZADO: cheio de nervos, como os nervos emitem a reação dos movimentos, com pequenos espasmos ou pequenos choques internos.
Enfim, à medida que eu suscitava o nome de um desses estados cada um tinha que procurar em si esse estado dramático, de sangue, ossos, etc. Após o encontro de cada estado eu pedia que a pessoa escolhesse um lugar do corpo para que pudesse colocar essa energia encontrada, a fim de mais tarde ela pudesse acessar esse estado (o que carrega o mesmo princípio da matriz corporal).
Por fim, revisitamos os estados que encontramos com esse exercício com a troca rápida de um estado para outro.


Gabriela Holanda.